Algumas reflexões sobre como será - hipoteticamente - o mundo pós-pandemia já foram encaminhadas por profissionais da Psicologia e outras áreas.
Porém, quero me concentrar aqui em possíveis desdobramentos desta atual crise em pessoas com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Social, ou, seu nome mais antigo, Fobia Social.
Um primeiro levantamento que quero fazer é que estas pessoas já apresentavam o comportamento de isolamento social "desde que se entendem por gente", para usar uma expresso popular. Ou seja, já evitavam o contato social muito antes da pandemia.
A diferença crucial é que a evitação social destas pessoas não ocorria (e não ocorre) em função de uma ameaça física (contrair o vírus). A evitação se dá em função de uma ameaça social - ser criticado, julgado negativamente, rejeitado, etc. O conceito de ameaça social já foi tratado aqui.
No cenário da crise atual, os fóbicos sociais acabam tendo que lidar com mais esse elemento: além da ansiedade da crítica, agora existe uma ameaça física, concreta, que é a ameaça do vírus.
Na contramão dos estados de ansiedade, tenho ouvido relatos de fóbicos sociais que estão "melhor", pois não estão precisando sair de casa e interagir com as pessoas. Embora na suposta segurança do lar, isso é extremamente perigoso para esses indivíduos. Por que?
A razão é simples. O isolamento social, agora não mais por medo das interações sociais e sim por medidas impostas de segurança, é uma resposta de fuga e evitação que mantêm o problema. Em outras palavras, se você fica isolado socialmente, você não encara seus medos e eles só aumentam. Lembre-se: a exposição é a principal estratégia para a superação da fobia social!!
Outra coisa que preciso destacar aqui brevemente é que, quanto mais se estende o período de isolamento, mais desacostumados vamos ficando no ato de lidar com pessoas. Nesse sentido, nossas habilidades sociais vão se "atrofiando". Começamos a perder gradativamente a capacidade básica de nos relacionar, pelo menos nos moldes das relações pré-pandemia.
Mas, e agora, o que fazer? Como se expor? Como trabalhar a ansiedade social nesse contexto?
O mundo virtual, que já vinha invadindo grande parte da nossa vida, parece ter chegado como um meteoro - repentino e destruidor. Destruidor no sentido de destruir nossas possibilidades de interação social presencial. Isso pode parecer, a princípio, reconfortante para os fóbicos sociais. "Agora não preciso me relacionar, posso ficar despreocupado com as pessoas", dirão alguns. Não creio que isso possa ser benéfico de alguma forma.
As interações e exposições precisarão "migrar" para o ambiente online cada vez mais. Isso implica uma nova adaptação social. Um novo ambiente social - agora online - se impõe. E grande parte dos fóbicos sociais não possui repertório para lidar com esse ambiente. Como iniciar uma conversa por um App? Como manter uma conversa em uma vídeo chamada? Como se portar em uma entrevista de emprego online?
O mundo como conhecíamos antes, supostamente, acabou. Talvez a própria categoria "fobia social" ou "timidez" deixe de existir como a conhecíamos antes e adquira novos significados no contexto atual. Os programas de tratamento talvez precisem se adaptar. As demandas e os medos sociais podem (e provavelmente vão) se transformar, exigindo um conjunto de habilidades sociais completamente novo.
Uma hipótese que tenho é a de que todo esse contexto de crise pode criar uma "fobia social generalizada" (não no sentido tradicional do termo). Ou seja, um grande número de pessoas pode adquirir o que chamamos de fobia social, porém, com características novas, diferentes e imprevisíveis. Novas categorias podem surgir, como a "fobia social online", por exemplo, ou, "fobia de gravar vídeos", e assim por diante.
Todo esse texto foi baseado em reflexões hipotéticas, porém, fundamentado em um estudo sistemático desse padrão comportamental chamado de fobia social. Dificilmente as relações sociais voltarão a ser as mesmas e novas formas de se relacionar precisarão ser construídas, sobretudo online. Vamos precisar esperar. Até lá, procurem manter o distanciamento físico, mas não social.
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