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  • Foto do escritorPedro Gouvêa

A terapia analítico-comportamental trabalha com cognições?


Essa pergunta pode surgir de um leigo, de um estudante de psicologia, ou mesmo de outros profissionais que se deparam com as expressões "terapia analítico-comportamental" e "terapia cognitivo-comportamental". Em um primeiro momento, pode-se supor que a primeira não lida em sua teoria e em sua prática com o que chamamos de cognição, uma vez que a própria expressão não inclui esta palavra. Isso constitui um equívoco grave.

O que tradicionalmente se entende por cognições, são os processos internos pelos quais o indivíduo adquire conhecimento. Ou seja, são categorias como memória, raciocínio, expectativas, interpretação, processamento de informações e, essencialmente, pensamentos. Embora muito abstratas, estas categorias são tidas como essencialmente humanas, são qualidades que só a nossa espécie é capaz de apresentar.

Ora, que tipo de psicoterapia, em pleno século XXI, não iria trabalhar com elas? Que terapeuta, em sã consciência, não abordaria os pensamentos do seu cliente? Ignorar isso seria o mesmo que ignorar aquilo que nos torna humanos, diriam alguns...seria o mesmo que um matemático não trabalhar com números, para ser mais extremo...

Talvez, alguém se arrisque a dizer que as terapias baseadas no behaviorismo não trabalham com cognições. Certamente, tal pessoa não tem familiaridade com o que seja, de fato, o behaviorismo e suas inúmeras vertentes. Bom, não é o caso tratarmos disso aqui.

O que é importante, é que todas as terapias baseadas na análise do comportamento e no behaviorismo radical (agrupadas sob o nome de terapia analítico-comportamental) trabalham e, além disso, enfatizam as cognições.

Essa ênfase justifica-se pelo fato de que as cognições se caracterizam sim como aspectos centrais do ser humano. São aspectos centrais porque se referem à linguagem, ao comportamento verbal complexo que distingue a nossa espécie das outras.

No entanto, diferente de concepções mais tradicionais em psicologia, a terapia analítico-comportamental assume que as cognições não são entidades autônomas e abstratas existentes em uma dimensão diferente de uma dimensão física, natural. Elas são, basicamente, comportamentos verbais privados, que podem ser nomeados de diferentes formas (crenças, pensamentos, expectativas, etc.).

Um pensamento, por exemplo, não é uma substância autônoma dentro da pessoa que determina o que ela faz. Ele nada mais é do que algo que a pessoa diz a si mesma. É uma espécie de "conversa em primeira pessoa". É privado porque apenas a pessoa que pensa tem acesso ao seu pensamento, porém, não há nada de especial nele. O pensamento de que "acho que tem algo de errado comigo" é simplesmente eu dizer isso para mim mesmo sem que ninguém me ouça.

Todos os processos cognitivos envolvem, em algum nível, a linguagem. Mas não é qualquer linguagem, é uma linguagem simbólica, que carrega significados únicos que só o ser humano é capaz de elaborar. Nesse sentido, é uma linguagem social, compartilhada por um determinado grupo de pessoas. Logo, a cognição não existe no vazio, ela é construída em um contexto histórico e social.

O terapeuta analítico-comportamental trabalha o tempo todo com essa linguagem. Aliás, ela é a matéria prima do seu trabalho. O que ocorre em uma sessão de psicoterapia é uma interação entre linguagens, a do cliente e a do terapeuta.

Se, em último caso, posso afirmar que cognição é o mesmo que linguagem, então, o terapeuta analítico-comportamental trabalha o tempo todo com cognições. Se o cliente não expressa para o terapeuta o que diz para si mesmo, posso dizer que ele (o cliente) está pensando (falando consigo mesmo). Se ele expressa, posso dizer que ele (o cliente) está falando. É apenas um jogo de palavras.

Ora, o terapeuta analítico-comportamental tem um interesse especial pelas coisas que o cliente fala apenas para si mesmo, ou seja, por seus pensamentos. Como, então, ele não trabalharia com cognições?

Perceba que qualificar um comportamento como cognitivo apenas indica que ele ocorre privadamente e que possui características verbais. Nada além disso. Seria absurdo não valorizar ou ignorar o que os clientes dizem para si mesmos privadamente. Certamente, não lidamos com as cognições do mesmo modo como outras tradições em psicoterapia lidam, mas ela é central na terapia analítico-comportamental, na medida em que a linguagem é central para o ser humano.

Espero que o leitor tenha compreendido que, independente de qual for a abordagem terapêutica, não existe a possibilidade do terapeuta não trabalhar com as cognições, visto que o ser humano é um ser cognitivo, pensante, ou, para nós, um ser verbal.

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