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  • Foto do escritorPedro Gouvêa

A terapia comportamental é superficial?


Existe uma ideia ainda persistente nos dias de hoje de que a terapia comportamental (aqui me refiro especificamente às terapias com base na Análise do Comportamento) é um um método de tratamento superficial e limitado. Essa ideia circula com certo vigor tanto entre psicólogos de outras orientações teóricas quanto no senso comum. Não é difícil encontrar relatos do tipo "a terapia comportamental não trata as causas, apenas os sintomas", "ela não lida com os aspectos mais profundos da subjetividade" ou "a sua principal característica é a aplicação de técnicas".

Provavelmente, ao ouvir esse tipo de coisa, ficaremos com uma ideia de superficialidade sobre esta abordagem terapêutica. No entanto, quando se fala que ela é superficial, será que aquele que fala conhece realmente os princípios da terapia comportamental? Em que sentido ela seria superficial? Seria ela superficial mesmo ou apenas uma forma diferente de compreender e aplicar a psicoterapia?

Não é à toa que a terapia comportamental adquiriu esta fama ao longo de sua história. Nos seus primórdios, ela dava pouca atenção aos afetos, pensamentos, fantasias, desejos, e todos estes fenômenos que hoje conhecemos como subjetividade. Além disso, também era dada pouca atenção a relação entre terapeuta e cliente, de modo que ela se concentrava, basicamente, em modificar comportamentos problemáticos observáveis através da aplicação de técnicas variadas. Nesse sentido, podemos até admitir que a terapia comportamental ERA superficial, pois deixava de lado ou dava pouca atenção a aspectos clínicos extremamente importantes.

Pois bem, por outro lado, temos a impressão (e isso tem a ver com o modo dominante de pensar da nossa cultura) que uma terapia "profunda" significa, em última análise, aquela que irá revelar as verdades ocultas do cliente e que explora aspectos, em princípio, misteriosos e que só o ser humano é capaz de apresentar. Por exemplo, é comum ouvirmos que uma terapia que explora o inconsciente é a que realmente irá desvendar e resolver as dificuldades do cliente. Ou, ainda mais longe, há algumas propostas de terapia que buscam explorar supostas vidas passadas do cliente. Esse tipo de psicoterapia gera, na maioria das vezes, um "ar" de profundidade, de mistério, de atratividade e até mesmo de sedução pelo seu próprio discurso. Trabalhar temas como o inconsciente, aspectos profundos da personalidade e da mente, imagens mentais, vidas passadas, etc., naturalmente atrai a atenção e a curiosidade das pessoas em função destes próprios termos.

Bom, a terapia comportamental evoluiu bastante desde a sua criação e hoje ela incorpora absolutamente todos os fenômenos relativos ao funcionamento humano. Sua leitura destes fenômenos é diferente da leitura de outros sistemas terapêuticos, evidente, mas isso não implica em superficialidade. Não importa a palavra que se use para rotular um fenômeno (consciência, mente, afeto, inconsciente, personalidade), a terapia comportamental lida com todos eles. O ponto é: qual a diferença central entre ela e as outras terapias?

Pode até parecer um contrassenso, mas a ideia básica da terapia comportamental acaba fornecendo um entendimento mais profundo dos fenômenos com os quais ela lida. Isso pode surpreender em um primeiro momento e até mesmo gerar espanto em algumas pessoas. No entanto, observe que o ato de falar sobre o inconsciente, mente ou personalidade não torna nada mais profundo. São apenas palavras enunciadas por alguém para descrever ou explicar algum fenômeno humano. No contexto clínico, o terapeuta utiliza tais palavras para se referir a algum aspecto do comportamento do seu cliente. Pois bem, o terapeuta comportamental irá investigar as condições em que estas palavras são usadas, o que exatamente elas descrevem (qual o seu significado para o cliente) e que efeitos o uso destas palavras tem no mundo do cliente.

Esta investigação, por si só, já é complexa, uma vez que ela não se limita a explicar o comportamento do cliente pela palavra ou mesmo a palavra pela palavra. Ela visa explicar e entender as condições históricas e atuais que deram origem e mantém o sofrimento do cliente, mas não recorrendo ao simples uso de uma palavra que designa algo interno, e sim às experiências ambientais que o cliente vivenciou ao longo de sua vida e as experiências ambientais que vive hoje. Tarefa, por sinal, mais complexa e trabalhosa, uma vez que o esforço de identificar aspectos do ambiente externo relacionados ao sofrimento do cliente é maior do que simplesmente atribuí-lo a uma causa interna (por exemplo, "você sofre de depressão porque tem pensamentos depressivos inconscientes"). Esta explicação do exemplo parece simples, econômica, atraente, fácil de compreender, mas será que é efetiva? Será que é realmente profunda? Será que explica alguma coisa?

Ao buscar as causas e explicações dos fenômenos clínicos no ambiente externo do cliente (incluindo o ambiente da própria relação terapeuta-cliente), a terapia comportamental aprofunda enormemente o seu entendimento sobre o mesmo, uma vez que as "verdadeiras causas" ou as "causas primeiras" do sofrimento são identificadas. Podemos dizer que ela (a terapia comportamental) vai buscar "raiz" do problema e não se contenta com explicações que aparentemente explicam alguma coisa. Neste sentido, além de não ser uma terapia superficial, ela pode até mesmo ser uma terapia mais "profunda" do que grande parte dos outros modelos terapêuticos. Profunda no sentido de "ir a fundo" na investigação sobre o que causa e mantém o sofrimento do cliente, olhando para as condições ambientais que produziram e produzem este sofrimento e não para entidades fictícias criadas para explicá-lo.

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