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  • Foto do escritorPedro Gouvêa

A terapia comportamental lida com questões existenciais?


Esse artigo é o segundo deste blog que visa desmistificar algumas concepções sobre a terapia comportamental e esclarecer pontos duvidosos sobre esta abordagem. O primeiro também levou o título de uma pergunta, "A terapia comportamental é superficial?"

Bom, para começar, o que são "questões existenciais", ou, popularmente, "crises existenciais"? Ao ler essa pergunta, provavelmente você pensou em inúmeras coisas diferentes e que ela é uma pergunta muito ampla e vaga. Exatamente. A pergunta é muito ampla e vaga. No entanto, ela merece consideração no contexto clínico porque é muito frequente chegarem ao consultório pessoas com as chamadas questões existenciais.

Se quisermos ser radicais, podemos afirmar que tudo que chega ao consultório é uma questão existencial, pois diz respeito a algo que existe na realidade do cliente e traz sofrimento para o mesmo. Porém, as demandas que chegam são tão variadas que é comum a criação de algumas subdivisões, como, por exemplo:

- Transtornos psiquiátricos (fobias, depressão, TOC, dependência de substâncias, etc.);

- Avaliação psicológica;

- Problemas de aprendizagem;

- Etc.

Nenhum destes exemplos se encaixa na categoria "questões existenciais". Isso porque tal expressão se refere, habitualmente, a conflitos ou sofrimentos difíceis de rotular de maneira específica, como, por exemplo, procurar terapia porque o psiquiatra deu um diagnostico de transtorno de pânico. Devido a amplitude e imprecisão que a expressão carrega, podemos pensar em questões existenciais como demandas que não se enquadram em um problema específico e que normalmente se caracterizam por ambiguidade, são vagas, imprecisas e dizem respeito ao sentido da vida em geral. Exemplos:

- Confusão sobre "quem se é";

- Conflitos ou dúvidas sobre o sentido da própria vida;

- Conflitos ou dúvidas sobre o que se deseja (casar ou não, ter filhos ou não, mudar de profissão ou não, etc.).

O ponto é que, como praticamente todos nós já passamos por estes conflitos em algum momento da vida, e estes conflitos são tidos como inerentes ao ser humano (quem nunca se perguntou qual o sentido da própria vida?), eles são frequentemente categorizados como "questões" ou "conflitos" existenciais (próprios da existência humana). Eles não fazem parte de um conjunto de problemas específico que apenas parte das pessoas apresenta, como um transtorno alimentar, por exemplo.

Bom, tendo pontuado superficialmente o que seriam as tais questões existenciais, resta a pergunta: uma terapia comportamental trata destas questões?

A dúvida geralmente surge em função desta abordagem lidar, historicamente, com problemas específicos e de maneira objetiva. Desta forma, é comum a imagem de que a terapia comportamental trata somente de problemas circunscritos, como um transtorno psiquiátrico qualquer, um problema de aprendizagem ou um treinamento de habilidades sociais. Além disso, questões existenciais são frequentemente encaminhadas para outras abordagens, como a psicanálise ou a terapia existencial (esta, aliás, tida como aquela que trata por excelência de tais questões, como o próprio nome diz).

No entanto, a terapia comportamental evoluiu muito ao longo das décadas e arrisco dizer que ela é capaz de lidar com todo tipo de problema, inclusive os existenciais. O ponto é que por trás do que se intitula de questão existencial, há uma sistema teórico que vai interpretar isso de um jeito. O terapeuta comportamental - se quisermos usar o nome mais moderno, o analista clínico do comportamento - vai interpretar uma questão existencial de uma certa maneira, diferente do psicanalista e do terapeuta existencial.

Apesar de não ser objetivo deste artigo trazer uma definição comportamental do que seja "questão existencial", pode-se, dizer, genericamente, que um terapeuta comportamental irá investigar o histórico do cliente e as suas condições atuais de vida para compreender o que levou aquele cliente a relatar que "sua vida não faz sentido", por exemplo. Ou seja, o enfoque é histórico e externalista. Não busca-se entidades internas causais para qualquer tipo de queixa.

Assim, duas perguntas fundamentais surgem: 1) o que esse cliente vivenciou, aprendeu, durante a sua vida, que tem relação com o seu sofrimento existencial atual? 2) Que sentimentos, pensamentos, ações e contextos levam, hoje, esse cliente a relatar que sua vida não tem sentido? Note que o modelo comportamental torna o que é impreciso e vago em algo mais tangível e trabalhável, procurando sempre relações concretas entre o sujeito e o seu ambiente. Quero crer que, no desenrolar desse texto, tenha ficado claro que a terapia comportamental contemporânea acolhe sim as questões ditas existenciais, à sua maneira, sem qualquer necessidade de encaminhamento para outra abordagem.

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