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Foto do escritorPedro Gouvêa

A terapia pela fala ainda funciona?


Diante do "mar de terapias" que encontramos atualmente e do que tenho visto por aí quando o assunto é psicoterapia, me ocorreu a seguinte pergunta: a clássica terapia pela fala ainda funciona?

Vamos a algumas considerações para tentar chegar a uma resposta satisfatória, na medida do possível. Quando me refiro à "terapia pela fala", estou me referindo a uma forma tradicional de se fazer terapia em que a interação terapeuta-cliente é quase que exclusivamente verbal. Ou seja, o que ocorre na sessão de terapia é um diálogo ou uma conversa entre a dupla terapêutica, onde na maior parte do tempo quem fala é o cliente. Quem já fez terapia ou está razoavelmente familiarizado com o trabalho do psicólogo clínico não há nenhuma novidade nisso. A própria mídia divulga o nosso trabalho desta forma.

Bom, embora eu não trabalhe com psicanálise (provavelmente a forma mais conhecida de psicoterapia), ao me ocorrer essa pergunta, lembrei, inevitavelmente, de Freud, que utilizou pela primeira vez esta expressão, buscando enfatizar a importância da palavra na "cura" de perturbações emocionais. Desde Freud (ou seja, início do século XIX), a terapia pela fala atravessou os séculos, se popularizou e ainda domina o cenário das práticas psicoterápicas na grande maioria das abordagens terapêuticas. É um "fazer clássico" do psicoterapeuta que marca a sua prática e a representação que as pessoas têm do psicólogo.

Ocorre que esta prática, como qualquer outra prática científica, sofreu e vem sofrendo diversas críticas e questionamentos em relação à sua eficácia. Isso é saudável para qualquer prática científica, pois ajuda a aperfeiçoá-la ou abandonar práticas que já não funcionam. Trazendo para o cotidiano do senso comum, ouço com certa frequência coisas do tipo, "psicólogo é só para conversar, né?", "ah! vou chegar lá, ele vai ficar me fazendo um monte de perguntas e vou ter que ficar falando de mim mesmo, do que isso adianta?", ou, "conversar eu converso com um amigo, para quê vou pagar alguém para me ouvir?"

Com a modernização das práticas psicoterápicas - nem todas cientificamente embasadas ou até mesmo reconhecidas pela Psicologia - , houve uma grande diversificação das formas de se tratar os problemas emocionais. Ou seja, algumas terapias e terapeutas "deixaram de lado" ou passaram a não dar tanta ênfase à interação verbal com o cliente, ao relato, à conversa, tão tradicional na nossa atuação. Estas terapias procuram focar mais em técnicas, em ferramentas ou em algum recurso "impessoal" que, a princípio, seria mais eficaz do que a clássica terapia pela fala. Dois exemplos comuns que me ocorrem são a hipnose e os protocolos de tratamento fechados para transtornos específicos, como ansiedade generalizada. Aqui, em geral, privilegia-se a ferramenta e não a relação terapeuta-cliente.

Bom, é evidente que esse artigo se propõe muito a expor o meu ponto de vista pessoal sobre o assunto (e não teria como ser diferente). Nesse sentido, penso que a NATUREZA de um trabalho psicoterápico faz com que seja indispensável a expressão verbal intensa e profunda do cliente, uma vez que a essência da psicoterapia é uma relação interpessoal que deve ser marcada pela confiança, acolhimento, profundidade, intimidade, etc. Terapeuta e cliente devem se sentir à vontade (o tanto quanto possível) um com o outro. Esse "sentir-se à vontade" e todas as outras características mencionadas de uma psicoterapia ocorrem, via de regra, através do diálogo, da conversa, da comunicação diferenciada que marca o nosso trabalho.

Sem entrar no mérito de pesquisas que comprovam ou não a eficácia de terapias pela fala versus terapias mais focadas em técnicas, o ato de "falar" no contexto da terapia e o foco na interação verbal se configuram como elementos transformadores de repertórios comportamentais amplos. Ou seja, é somente na medida em que o cliente fala, se expõe intimamente, se permite ser quem realmente é, se permite revelar seus fantasmas mais assustadores para o terapeuta, é que estará sendo construída uma relação verdadeiramente íntima, abrindo as portas para que o terapeuta possa ajudar o cliente "real", o que me parece menos provável em um tipo de terapia focado em técnicas ou ferramentas específicas.

A riqueza e a beleza da "terapia pela fala" ainda me parece muito viva e tem produzido relações e experiências terapêuticas únicas, intensas e transformadoras, independentemente do quão antiga esta prática possa ser e dos objetivos de quem procura uma terapia. O potencial de cura através da fala é difícil de ser medido, mas certamente abriu caminhos antes impensáveis para a compreensão e tratamento dos problemas emocionais. Termino o texto com a mesma pergunta do título: a terapia pela fala ainda funciona? Prefiro não arriscar uma resposta simples do tipo "sim" ou "não" para uma pergunta tão complexa. Deixo a critério do leitor refletir sobre o tema.

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